MARCELO MATIAS: Bolsonaro na mira do Tribunal Penal Internacional

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ESTE ARTIGO É MERAMENTE OPINIÃO DE SEU REDATOR
O tema abordado nas resumidas linhas deste texto é digno de um belo trabalho acadêmico, tanto pela beleza, quanto pela complexidade do assunto abordado, contudo adianto, não é intenção do signatário, posto que abordará com superficialidade, por paixão à politica e ao debate jurídico.

Noticiou-se nos meios de imprensa que o Tribunal Penal Internacional -TIP, (também conhecido como Tribunal de Haia, isto porque, localiza-se em Haia, na Holanda), aceitou analisar a denúncia formulada pelo Partido Democrático Trabalhista –PDT, contra o Presidente Jair Bolsonaro, por crime contra a humanidade, frente à conduta no combate ao avanço da Covid-19 no Brasil. Todavia, o fato de o Tribunal ter aceitado analisar a denúncia, não significa necessariamente que a investigação foi ou será aberta. Pelo rito do Tribunal, diante dos fatos e provas colacionados à petição de denúncia, àquele tribunal decidirá se abrirá ou não à investigação.

Diante das tantas notícias, ouvimos muitos questionamentos do tipo: O que é o Tribunal Penal Internacional? Qual o efeito prático de uma eventual condenação de alguém por parte do TIP?
Bom, antes de tudo cabe esclarecer que o Tribunal Penal Internacional é regido pelo Estatuto de Roma e atua para punir indivíduos e os fatos criminosos praticados por estes, diferente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que investiga e pune os Estados membros, quando estes violam os Direitos Humanos.

Segundo extrai-se do próprio site do Itamarati:
Ao longo das quase duas décadas de funcionamento do TPI, o Brasil manteve forte presença na Haia, seja por meio de sua delegação junto à Assembleia dos Estados Partes, seja mediante a participação de seus nacionais em importantes cargos da Corte. A brasileira Sylvia Steiner integrou o corpo de juízes do TPI, de 2003 a 2016. Hoje, ela compõe o Comitê Consultivo para Nomeações do TPI, que já teve o professor Leonardo Nemer Caldeira Brant entre seus membros, de 2013 a 2014. Em dezembro de 2019, a promotora Cristina Romanó foi uma das nove selecionadas para o Painel de Peritos Independentes para o processo de revisão do TPI atualmente em curso.

É de suma importância trazer à baila que jurisdição do Tribunal Penal Internacional não é universal e estão submetidos a ele, apenas, os Estados Membros que internalizaram no seu ordenamento jurídico as sua regras, entre elas: o individuo acusado é nacional de um signatário de um país-parte ou uma nação que aceite a jurisdição do Tribunal; o crime necessariamente precisa ter ocorrido em algum país-parte; o Tribunal pode exercer suas funções no território de qualquer outro Estado desde que acordado especialmente entre as partes; serão julgados pelo TIP, apenas, os crimes cometidos após o dia primeiro de julho de 2002, quando as atividades do TIP se iniciaram oficialmente; apenas pode ser investigado por esse tribunal o crime que tiver ocorrido após a adesão do respectivo país à jurisdição do Tribunal.

O art. 5º do Estatuto de Roma elenca os crimes que poderão ser investigados e punidos pelo Tribunal Penal Interacional, quais sejam: Genocídio; Crimes contra a Humanidade; Crimes de Guerra; Crimes de Agressão.

O Brasil depositou seu instrumento de ratificação ao Tratado em 20 de julho de 2002. O Estatuto de Roma foi internalizado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

O art. 25 do Estatuto de Roma traz os princípios norteadores do Tribunal Penal Internacional, tais como: responsabilidade criminal individual, além de indicar que imunidade de chefes de Estado e Ministros não os beneficiará se envolvidos em crimes internacionais e ne bis in idem, na forma do artigo 20 do referido Estatuto.

A teor, a denúncia contra Jair Bolsonaro o acusa de Crime Contra a Humanidade, segundo entendem os denunciantes, os comportamentos do Presidente, as suas falas públicas de incentivo para que a população quebrasse a orientação da Organização Mundial de Saúde, bem como de prefeitos e governadores, o torna diretamente responsável pelo avanço desenfreado de contaminação da população brasileira pelo Covid -19, o que resulta em um altíssimo número de mortes pele doença.
Mas o que vem a ser Crimes Contra a Humanidade e como defini-lo na literatura jurídica?
Segundo extrai-se do art. 7 do Estatuto de Roma, Crimes contra a Humanidade é, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: Homicídio; Extermínio; Escravidão; Deportação ou transferência forçada de uma população; Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; Tortura; Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; Desaparecimento forçado de pessoas; Crime de apartheid; Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

Ora, mas onde se encaixaria a conduta do Presidente da Republica diante das tipificações descritas no art. 7 do Estatuto de Roma?

Segundo o saudoso Luiz Flávio Gomes, os crimes contra a humanidade consistem nos atos desumanos descritos no Estatuto de Roma, tais quais: assassinatos, extermínio, desaparecimento de pessoas, violações sexuais, crimes ainda que praticado durante conflito armado, crimes que acontecem no contexto de uma política de Estado ou de uma organização que promova essa política contra a população civil de forma generalizada ou sistemática, com conhecimento do agente.
Desse modo, na medida em que o Presidente da República, mandatário máximo de uma nação, profere falas públicas em defesa da quebra de isolamento social minimiza a pandemia do Covid – 19, afirmando que se trata de uma “gripezinha” e que a garotada abaixo de 40 anos, a princípio, contraindo o vírus, não vai ter problema, e após essa fala, observa-se uma curva crescente de contaminados pelo vírus, e consequentemente, verifica-se milhares de mortos pela doença, obviamente que isto pode sim caracterizar um ato desumano que afeta a gravemente a integridade física e a saúde física ou mental de uma significativa parcela da população, além de passar a ser diretamente responsável pelos efeitos nefastos da doença.

Caso a denúncia contra Jair Bolsonaro seja aceita, o mesmo passará à ser  investigado, e caso venha a ser condenado pelos crimes que está sendo acusado, na forma do art. 77, 1 a) do Estatuto de Roma, poderá pegar até 30 anos de prisão, cuja pena seria cumprida num Estado indicado pelo Tribunal a partir de uma lista de Estados que lhe tenham manifestado a sua disponibilidade para receber o condenado.


Marcelo Matias da Silva 
Advogado Criminalista e Procurador Geral do Município de Belém - PB

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